Em seminário realizado na manhã desta quarta-feira (24), o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) divulgou o perfil dos socioeducandos do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases). A pesquisa durou cerca de três anos e baseia-se em entrevistas realizadas em todas as unidades do Iases.
Os questionários foram aplicados por técnicos e agentes socioeducativos do Iases previamente capacitados. Foram levantadas as características pessoais, origem familiar e percepção dos entrevistados sobre educação, saúde, trabalho, violência, comportamento, percurso infracional, além de perspectivas de futuro dos jovens.
O técnico do IJSN que coordenou o estudo, Thiago de Carvalho Guadalupe, apresentou os principais resultados da pesquisa. Os internos apresentam-se em maioria homens (98%), pretos ou pardos (81,7%) e idade média de 17,6 anos.
Thiago de Carvalho Guadalupe Sobre os aspectos familiares, 15% dos jovens possuem filhos, sendo que 22% deles mais de um filho. No momento da apreensão, 52,7% tinham a mãe como responsável legal e 70% moravam com a mãe. São provenientes de famílias com 4,4 pessoas em média, vivendo com uma renda média mensal familiar de 2,23 salários mínimos.
Uma significativa maioria dos jovens (88%) declara que sabe ler e escrever. Entretanto, 73% deles não estavam estudando no momento da internação. O principal motivo apontado pelos próprios adolescentes para o abandono escolar foi a falta de interesse em estudar (40,3%). Apenas 28% estão satisfeitos com seu nível educacional.
Ainda sobre as perspectivas dos socioeducandos, 40% deseja uma ocupação formal no mercado de trabalho daqui a 10 anos. Sendo que 82% já trabalharam antes da apreensão e 83,3% acham que o trabalho é muito importante para sustentar a família e dar boa educação aos filhos.
"É interessante destacar que a pesquisa fez uma avaliação da percepção dos jovens. No aspecto da violência, por exemplo, surgem ponderações interessantes. Apesar de 83% já terem tido alguma pessoa próxima ou da família assassinada, 77,2% já terem visto pessoas armadas em seu bairro e 73,8% já terem ouvido disparo de arma de fogo, muitos consideram que moravam em local sem violência (27,5%)", apontou o coordenador da pesquisa.
Os principais delitos que levam os jovens ao sistema estão relacionados ao tráfico de drogas (35,4%), seguido de roubo (23,5%), porte ilegal de arma de fogo (11,1%) e homicídios (9,4%). Apenas 7,3% declararam terem se envolvido com tráfico para manter o próprio vício. As principais relações com as drogas, apontadas pelos próprios socioeducandos, foram o tráfico como meio de vida (51,4%) ou apenas o uso (41,3%). Desses, apenas 12,6% se declararam dependentes e 41% fazem uso esporádico de entorpecentes.
Paulo Velten
O seminário do IJSN contou ainda com a colaboração do professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Paulo Velten, mestre em Políticas Públicas e Processo, doutor em Direito e pós-doutorando em Políticas Públicas e Legislação. Ele foi convidado a avaliar e fazer suas ponderações sobre a pesquisa.
"Essa pesquisa é uma raridade no cenário nacional, absolutamente consistente e relevante. Importantíssima para termos um traço da política pública na área com eficiência, direcionada por dados científicos", elogiou.
O professor destacou ainda os fatores educacionais envolvidos no sistema socioeducativo, além do fato das medidas judiciais priorizarem o encarceramento. "Precisamos diminuir essa porta de entrada com atenção à educação, principalmente às séries com maior evasão. Além disso, o encarceramento deveria ser a última instância, a última alternativa judicial para penalizar o jovem infrator".
Também presente ao encontro, o delegado de Polícia Jeremias dos Santos, mestre em Segurança Pública e pós-graduado em Políticas e Gestão de Segurança Pública e em Ciências Criminais, falou sobre a importância da produção do conhecimento para a prevenção de atos infracionais nas unidades de internação do Iases, com destaque para a atividade de inteligência socioeducativa.Jeremias Santos
"Trata-se do exercício permanente e sistemático de ações especializadas para identificação, acompanhamento e avaliação de ameaças reais ou potenciais no âmbito da socioeducação. As ações de inteligência são orientadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para assessorar na tomada de decisões, no planejamento e na execução de uma política socioeducativa, de modo a prevenir atos que atentem à segurança e proteção da comunidade socioeducativa e da sociedade", ponderou dos Santos.
Ele citou ainda o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), o qual faz interface e sofre interferência dos demais subsistemas internos ao de Garantia de Direitos, tais como saúde, educação, assistência social, justiça e segurança pública.
O Diretor Presidente do IJSN, Luiz Paulo Vellozo Lucas, destacou a importância do trabalho do IJSN no contexto territorial dos mais vulneráveis e a preocupação do governador Renato Casagrande em desenhar e rever políticas públicas com esse olhar ampliado. "O governo está com esse olhar sobre os territórios em que esses jovens estão inseridos e todos os seus aspectos, sejam as atividades econômicas ali presentes, as questões sociais, de saúde, de urbanização, o enfrentamento da pobreza e, em última instância, a violência. As piores ambiências vão produzir os piores indicadores de criminalidade. Neste aspecto, a retomada do programa Estado Presente aumentou a eficiência da proteção policial, a qualificação do encarceramento e volta nossas atenções a esses jovens e aos locais em que estão inseridos".
Luiz Paulo
"A pesquisa se une aos esforços da equipe do governo do Estado em ampliar o olhar sobre o sistema como um todo e traz luz ao que está sendo feito e o que mais pode ser feito, numa visão permanente de aperfeiçoamento das políticas públicas", completou Luiz Paulo Vellozo Lucas.
Também estiveram presentes no evento o secretário de Estado de Justiça, Luiz Carlos de Carvalho Cruz, o subsecretário de Estado de Inteligência da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), José Monteiro Júnior, diretores técnicos e servidores do Iases, além de outros convidados.
A pesquisa está incorporada ao âmbito do Observatório da Segurança Cidadã, instância que integra diretamente esforços conjuntos do IJSN, Sesp e outros parceiros no acompanhamento, monitoramento e aprimoramento de políticas públicas, com atuação voltada a subsidiar ações estratégicas de controle e prevenção à criminalidade.
Leia a íntegra do relatório Perfil dos Socioeducandos do Iases:
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