Governo do Estado do Espírito Santo

ODS 18: a urgência da igualdade étnico-racial para um Brasil sustentável

Mesmo em um cenário global que busca o desenvolvimento sustentável, o Brasil ainda confronta com um desafio histórico e estrutural que compromete tal desenvolvimento: o racismo. Este fenômeno, profundamente enraizado em nossa sociedade, impede o pleno avanço de diversas esferas sociais e econômicas, afetando a visão de um futuro equânime para todos. É nesse contexto que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), fruto de acordos firmados em conferências da ONU que culminaram na Agenda 2030 de 2015, ganharam um crucial aditivo para o Brasil: o ODS 18.

Com um apelo global para acabar com a pobreza, proteger o planeta e garantir paz e prosperidade, os 17 ODS originais foram estabelecidos em 2015 com intensa participação brasileira. Reafirmando seu protagonismo, o Brasil, em setembro de 2023, instituiu a Comissão Nacional dos ODS (CNODS) para internalizar a Agenda 2030.

No mesmo ano, em um passo significativo, a CNODS criou câmara temática para o 18º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável sobre Igualdade Étnico-Racial. Este ODS foi voluntariamente adotado pelo Brasil para enfrentar o racismo estrutural, reconhecendo que, embora o ODS 10 aborde a redução de desigualdades de forma ampla, as disparidades étnico-raciais – aprofundadas pelo racismo e discriminação – possuem uma especificidade e profundidade que exigem tratamento focalizado.

Tal realidade, que impacta o acesso a recursos, a representação e a sensibilidade cultural, perpetua um estoque de desigualdades com impactos duradouros em minorias étnico-raciais, que no caso do ODS 18, focaliza nos povos indígenas e população negra.

Essa urgência é corroborada por dados como o do Índice Folha de Equilíbrio Racial (IFER), desenvolvido pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper, e, mostra que, apesar de avanços na dimensão da Educação – onde o índice aponta quase para uma convergência de igualdade –, as disparidades de renda e longevidade são alarmantes. A desigualdade racial se reflete, por exemplo, na maior incidência de pobreza: em 2022, 40,0% das pessoas negras no Brasil eram pobres, contra 21,0% das pessoas brancas.

A extrema pobreza também atinge desproporcionalmente, com 7,8% dos extremamente pobres sendo negros, em comparação com 3,6% de brancos, de acordo com dados do Boletim da Consciência Negra feito pelo Instituto Jones dos Santos Neves (2024).No quesito educação, negros possuem a maior taxa de analfabetismo⁷, e a violência letal também é racialmente marcada: os negros representam os maiores percentuais entre as vítimas de homicídio doloso⁸. Essa realidade multifacetada de desvantagens demonstra que o racismo estrutural afeta a vida em suas dimensões mais fundamentais.

O IFER projeta que, no ritmo observado nos últimos 20 anos, serão necessários mais de 100 anos para atingirmos o equilíbrio racial no Brasil, um alerta contundente que sublinha a insuficiência das abordagens gerais e a necessidade de metas e políticas direcionadas. Sem um combate efetivo ao racismo, o Brasil compromete todos os demais objetivos de desenvolvimento sustentável.

É preciso, também, enfatizar a situação dos povos indígenas no Brasil. O reconhecimento da presença e contribuição dos povos indígenas na formação do território, cultura e identidade brasileira é um passo essencial, pois, como destaca o IJSN Especial | 19 de abril: Dia dos Povos Indígenas (Abril/2025), a invisibilidade histórica dessas comunidades ainda é um obstáculo para a construção de uma sociedade justa e igualitária.

Segundo a OIT, 85% das pessoas indígenas na América Latina trabalham informalmente, um índice significativamente superior ao da população empregada em geral³. Além da vulnerabilidade no mercado de trabalho, o menor acesso à terra, menor representatividade política, e maior exposição à violência e exploração⁴ fragilizam o povo indígena.

A recente crise humanitária vivida pelo povo Yanomami, que registrou, no ano de 2022, alarmantes 11.530 casos de malária e 2.478 de infecção respiratória grave, é um exemplo contundente das consequências da negligência na garantia de direitos básicos como a saúde e o território. O ODS 18, ao focar especificamente também nos povos originários, reconhece que a inclusão e a garantia de direitos dos povos indígenas são intrínsecas à realização de uma sociedade verdadeiramente justa e sustentável.

Outro fator crucial na criação do ODS 18 é a lacuna de dados e a necessidade de monitoramento específico. Apesar dos avanços, o Brasil possui uma lacuna de dados, o que afeta todo o ciclo de políticas públicas, uma vez que os indicadores são fundamentais no monitoramento e avaliação de políticas direcionadas a essas populações.

Nesse sentido, o ODS 18 é fundamental para fortalecer os sistemas de monitoramento e responsabilização, permitindo que o progresso na redução das desigualdades seja efetivamente medido e avaliado. Nesse sentido, o Brasil, por meio do Ministério da Igualdade Racial, já avançou na proposição de indicadores e metas específicas apresentando um conjunto de direcionadores para a inclusão da igualdade racial na Agenda 2030 em níveis nacional e internacional.

O ODS 18, sem dúvida, trata-se de uma conquista na qual o país se compromete voluntariamente a alcançar tal objetivo, servindo, ainda, como um modelo em ações desta temática. Este não é apenas um gesto simbólico, mas um compromisso que demonstra a consciência nacional sobre a necessidade de desmantelar o racismo para alcançar qualquer outro objetivo de desenvolvimento sustentável, seja no nível local ou internacional. Em suma, o ODS 18 vai muito além de um mero acréscimo de Objetivo de Desenvolvimento Sustentável.

Ele simboliza um chamado urgente e intrínseco à justiça social, fundamental para a construção de um Brasil onde a paz, a prosperidade e a sustentabilidade sejam uma realidade para todos, independentemente de sua etnia ou raça.

Alcançar essa igualdade é, portanto, um pré-requisito inegociável para a concretização de qualquer desenvolvimento verdadeiramente sustentável em nosso país e no mundo. O ODS 18 é a peça que faltava para impulsionar um futuro mais justo e inclusivo, pavimentando o caminho para uma sociedade que realmente desfrute em sua plenitude a Agenda 2030.


Thiago Guadalupe é doutor em Política Social, coordenador de Estudos Sociais do IJSN e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental

Amanda Penaé mestre em Economia e consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

    2015 / Desenvolvido pelo PRODEST utilizando o software livre Orchard