O Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), autarquia de pesquisa do estado do Espírito Santo, este ano está comemorando 50 anos dedicados ao planejamento e à produção do conhecimento, com a finalidade de subsidiar e monitorar políticas públicas. Neste contexto, vale ressaltar a habitação de interesse social como um dos temas de relevância dentre as linhas de pesquisa da instituição, posto que, a moradia é um direito social reconhecido pela Constituição Federal de 1988, e um dos pilares do núcleo familiar, da construção da cidadania e do desenvolvimento.
Apesar dos avanços da legislação urbanística, a problemática habitacional é estruturante no Brasil, e nos estados, e considerada um dos grandes desafios a serem enfrentados pelas esferas de governança. O fenômeno da urbanização nas últimas décadas promoveu processos de favelização e periferização nas cidades, decorrente do alto valor da terra infraestruturada. Esta condição de precariedade das moradias em territórios ocupados à margem da legalidade, foi agravada com problemas de mobilidade, saneamento, infraestrutura e outros serviços públicos urbanos deficientes.
O direito à moradia contempla várias outras dimensões que prescindem da função social da cidade, inclusive o sentido de pertencimento e de identidades territorializadas. Portanto, para atendimento das necessidades habitacionais, a possibilidade de reversão do quadro está diretamente ligada à provisão de novas moradias (déficit habitacional), mas também atrelada às soluções para inadequação construtiva das moradias, que refletem diretamente na qualidade de vida dos moradores. Ambos indicadores são complementares, e devem estar sempre articulados às políticas públicas.
Nessa perspectiva, mensurar o déficit habitacional é de fundamental importância para a compreensão da situação habitacional e da desigualdade social, tanto para as esferas governamentais quanto para a sociedade civil. O IJSN, desde 2014, vem estimando o déficit habitacional com metodologia inovadora de cálculo, com base no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), de modo a direcionar ações para famílias com renda familiar até três salários mínimos, e ainda, fornecer subsídios para que os municípios elaborem os Planos Locais de Habitação de Interesse Social.
Portanto, faz-se necessário análises nas diversas escalas territoriais, estado, macro e microrregião, e na escala do município, de modo que possa ser atualizado ano a ano, o que permite uma aproximação da realidade habitacional local, e definição de prioridades. Os dados do CadÚnico possibilitam estimar o déficit habitacional pelo número de famílias e de pessoas, seja por situação de domicílio, rural e urbano, e por diversas categorias sociais: sexo, faixa etária, raça, escolaridade, ocupação e deficiência.
Esta nova metodologia trouxe uma aproximação com a realidade social dos territórios municipais, assim como agilidade e frequência na atualização do déficit habitacional do Espírito Santo.
Os resultados da série de Cadernos publicados pelo IJSN, mostram que, quanto maior o grau de urbanização e concentração de população, maior é a complexidade dos problemas relativos à habitação e, portanto, o déficit habitacional é sempre maior na Região Metropolitana da Grande Vitória e nos municípios mais populosos. A componente do déficit verificada com mais frequência no estado do Espírito Santo, e em seus municípios, é o “ônus excessivo com aluguel”, condição que compromete mais de 30% da renda familiar, e no geral, representa 90% do déficit, seguido da habitação precária.
Outros resultados mostram que, a maioria da população em situação de déficit habitacional concentra-se na faixa etária de 0 a 14 anos, da raça preta e parda, e mulheres. Portanto, são os estratos sociais mais vulneráveis em situação de déficit habitacional, e quando associado a outras situações adversas, como a baixa escolaridade e desemprego, agrava-se o problema social.
Vale destacar o esforço do IJSN em contribuir para qualificar o panorama da habitação no estado, com estudos e indicadores, que podem ser acessados em suas diversas publicações periódicas através do site www.ijsn.es.gov.br. A construção metodológica do déficit habitacional estará sempre sujeita às dinâmicas temporais, mudanças tecnológicas, demográficas, econômicas, programas de Governo, dentre outros fatores externos, como por exemplo, a pandemia do COVID 19, e eventos climáticos, que ampliam significativamente a vulnerabilidade social e a problemática habitacional. Portanto, é necessário a constante ampliação e checagem da cobertura do CadÚnico, assim como a exigência legal de atualização cadastral, para fins de atendimento e políticas públicas mais exitosas, com prioridade para este público alvo.
Isabella Batalha Muniz Barbosa é doutora em Arquitetura e Urbanismo e pesquisadora na Coordenação de Estudos territoriais do IJSN