Por Lívia Tulli, Pablo Silva Lira, e Pablo Medeiros Jabor
No período entre 2013 e 2020, a falta de medidas eficazes por parte do Estado, fomentou expressiva piora dos indicadores de insegurança alimentar no Brasil. Com a mudança na gestão, o tema voltou a ser destaque no governo federal por meio da retomada de políticas econômicas e sociais, que já apresentaram impacto positivo: a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), referente ao quarto trimestre de 2023, identificou aumento da proporção de domicílios em segurança alimentar e redução na proporção de todos os graus associados à situação de insegurança alimentar.
No entanto, concretizar o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), ainda é um desafio. Como garantir que a população, especialmente os mais vulneráveis, tenham acesso físico e econômico, de forma ininterrupta, a alimentos nutritivos, diversificados e adequados que contemplem práticas sustentáveis de produção? A análise do ambiente alimentar comunitário pela utilização de ferramentas de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) pode contribuir na construção de soluções.
Os ambientes alimentares são locais onde os alimentos são adquiridos ou consumidos. Seu conceito está relacionado às oportunidades e às condições – físicas, econômicas, políticas e socioculturais – que moldam as escolhas alimentares dos indivíduos. Desta forma, uma maior disponibilidade a preços acessíveis tende a facilitar o consumo de alimentos saudáveis pela população.
A disponibilidade de alimentos saudáveis em um território pode ser limitada, por exemplo, pela escassez de equipamentos (como feiras, restaurantes populares, hortas urbanas e comunitárias, centrais de abastecimento, cozinhas comunitárias e bancos de alimento) ou de estabelecimentos varejistas de hortifrutigranjeiros, mercados, peixarias e açougues.
Por outro lado, a alta densidade de estabelecimentos que comercializam alimentos ultraprocessados – formulações industriais palatáveis e hipercalóricas, comida barata e, geralmente, com prazo de validade estendido, como: biscoitos, salgadinhos “de pacote”, sorvetes, mistura para bolo, macarrão “instantâneo”, refrescos e refrigerantes – favorece o consumo de alimentos prejudiciais à saúde da população.
A análise espacial do ambiente alimentar comunitário, utilizando SIG, permite mapear e compreender melhor essas dinâmicas. Essa ferramenta pode identificar áreas conhecidas como “desertos alimentares”, onde há escassez de alimentos saudáveis, e “pântanos alimentares”, onde há abundância de alimentos pouco nutritivos. Seu desenvolvimento está baseado na localização de equipamentos e estabelecimentos varejistas de alimentos, que podem ser obtidos de forma rápida e gratuita em bancos de dados públicos. Esses dados podem ser ajustados por auditorias locais ou virtuais, essas realizadas por ferramentas como o Google Street View.
Na Região Metropolitana da Grande Vitória, destacam-se duas iniciativas. A primeira é o estudo Rede Parques Metropolitanos, esta ação prioritária do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) apontou áreas com potencial de compor uma rede integrada de espaços verdes e pode contribuir com a identificação de locais favoráveis a implantação de hortas urbanas comunitárias.
Outro estudo, em desenvolvimento no Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), identificou que aproximadamente 68% das feiras livres estão localizadas em bairros com maior rendimento nominal médio mensal. Este resultado sugere a necessidade de uma intervenção por parte dos gestores municipais no intuito de melhorar a oferta de alimentos saudáveis em bairros onde a população é mais vulnerável economicamente.
Portanto, esse tipo de análise pode subsidiar gestores públicos na implementação de políticas de alimentação e nutrição, mas caso instrumentalizadas conjuntamente com a participação popular, principalmente em conjunto os Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional, podem identificar necessidades especificas e promover, através do aumento da disponibilidade de alimentos saudáveis, a sustentabilidade, a economia local e a inclusão social.
Trata-se de uma estratégia acessível e promissora que pode contribuir para a garantia do DHAA e a exclusão do Brasil do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas. Já que permite o direcionamento de recursos e políticas públicas de maneira eficaz para combater desigualdades alimentares, corrigir seus efeitos negativos no meio ambiente, no planejamento urbano e melhorar a qualidade de vida da população.
Lívia Tulli é bióloga é nutricionista, mestre em engenharia ambiental, especialista em políticas públicas e gestão governamental (EPPGG) e pesquisadora do Núcleo Vitória – Observatório das Metrópoles/IJSN
Pablo Silva Lira é doutor em Geografia, Diretor-Geral do IJSN, coordenador regional e pesquisador do Núcleo Vitória – Observatório das Metrópoles)
Pablo Medeiros Jabor é doutor em Geografia, Diretor Setorial de Estudos e Pesquisas do IJSN e pesquisador do Núcleo Vitória – Observatório das Metrópoles.