Artigo - Moradia digna: o que podem os municípios?

Por Latussa Monteiro , Bruno Louzada e Liziane Jorge 

É comum que se aponte a importância da moradia digna para a qualidade de vida em uma sociedade. As desigualdades sociais estão expressas na ocupação do espaço e são determinadas pela inserção urbana e pela localização das moradias no território. Fatores como saneamento, mobilidade, segurança pública, acesso aos serviços e equipamentos públicos, e predisposição ao risco são claramente determinados pela localização das moradias. A moradia é a função urbana que ocupa a maior parte das cidades. Como o município pode lidar com a complexidade do tema e responder à competência constitucional da gestão local na garantia de condições para a cidadania plena?

A análise do Núcleo Vitória do Observatório das Metrópoles apontou que a metropolização da Grande Vitória ocorreu em um cenário de crescimento populacional impulsionado pela industrialização e pelo êxodo rural. Ao longo das décadas de atuação do Banco Nacional de Habitação (BNH), os conjuntos habitacionais de interesse social e de mercado econômico ajudaram a formar novas áreas de expansão. Estas áreas foram gradativamente se aproximando dos núcleos iniciais por meio da ocupação dos espaços vazios, na maioria dos casos por meio da autoconstrução, incluindo áreas ambientalmente frágeis: topos de morros, várzeas e margens de rios.

Em anos mais recentes e em conjuntura econômica nacional marcada pela desindustrialização e financeirização dos mercados imobiliários, outra ação estatal de provisão de moradia, o Programa Minha Casa Minha Vida, entregou aproximadamente 50 mil unidades na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Regional. A Faixa 1, destinada àqueles de menor renda, constituiu apenas 5,8% de todas as unidades entregues pelo PMCMV e, mais importante, localizadas nas franjas das cidades. A falta de cidade plena ao redor desses empreendimentos impacta na ausência de oportunidades próximas de emprego e renda, o que acarreta longos períodos de deslocamento casa-trabalho, isolamento de estratos da sociedade, incluindo idosos, crianças e jovens. Por outro lado, a valorização extrema de algumas áreas, sobretudo Vitória e partes de Vila Velha e de Serra, afasta a possibilidade de aluguel como alternativa para habitar melhores localizações metropolitanas. O gasto excessivo com aluguel urbano, ou seja, acima de 30% da renda domiciliar em famílias com renda de até 3 salários-mínimos, é o principal componente do déficit habitacional na região.

Complementar a infraestrutura física e de serviços públicos é uma obrigação, pois a dignidade da moradia vai além dos limites da casa. Planejar a ocupação dos espaços vazios cabe aos municípios, por meio da efetivação de mecanismos do Plano Diretor Municipal, o PDM, para garantir a todos condições de exercer o direito à cidade.

As urbanizações de favelas e comunidades, por outro lado, possibilitam o reconhecimento da dimensão socioeconômica presente nesses espaços. Respeitam, assim, o investimento de décadas na construção de residências e laços de solidariedade e, não raro, uma rede robusta de empreendimentos geradores de renda.

Outra atuação é a possibilidade de criação de novas oportunidades habitacionais em imóveis vazios e ociosos, em meio à cidade existente. A ação pode ser benéfica em reativar áreas infraestruturadas, que sofram perda de residentes, para fazer frente, pela via da qualidade, à construção de unidades em empreendimentos unicamente residenciais e periféricos. O novo Minha Casa Minha Vida contempla ações nesse sentido, conhecidas popularmente como “retrofit”. O Espírito Santo, segundo os dados do Censo 2022, dispõe de pouco mais de 220 mil domicílios vagos, sendo quase 100 mil na RMGV. Para se ter uma ideia, em 2021, o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), com base no CadÚnico, contabilizou um total de 102.105 famílias em déficit habitacional na Região Metropolitana.

Seja pela via da urbanização, seja pela da reabilitação de imóveis ociosos, bons exemplos em décadas passadas foram executados na RMGV e devem ser avaliados, redesenhados e retomados, com atenção à vida humana, à análise de riscos e ao aproveitamento das infraestruturas existentes.


Latussa Bianca Laranja Monteiro é Doutora em Planejamento Urbano e Regional, Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFES e pesquisadora do Núcleo Vitória – Observatório das Metrópoles).

Bruno Casotti Louzada é Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Coordenador de Geoprocessamento do IJSN e pesquisador do Núcleo Vitória – Observatório das Metrópoles).

Liziane de Oliveira Jorge é Doutora em Arquitetura e Urbanismo, Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFES).

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