Por Por Latussa Monteiro e Liziane Jorge
A assessoria e a assistência técnica para habitação de interesse social (ATHIS), serviço desempenhado por profissionais de arquitetura e urbanismo, é uma prática indispensável para a promoção da qualidade de vida, do bem-estar e da saúde física e emocional das comunidades que não dispõem de recursos financeiros para a contratação de profissional especializado.
Amparado pela Lei n° 11.888 de 2008, a reivindicação de décadas para inclusão da pauta enquanto uma política pública nacional, é assegurado às famílias com renda mensal de até 3 (três) salários mínimos, residentes em áreas urbanas ou rurais, o direito à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social para sua própria moradia (BRASIL, 2008).
Entretanto, a sua implementação é insuficiente nas experiências de gestão pública e a atuação profissional nessa direção encontra muitos entraves na implementação de novos modelos de negócio. Diante desse impasse, há uma ampla defesa ao enfrentamento dos problemas da moradia social pelo viés do direito à cidade, pela erradicação da precariedade urbana e da irregularidade fundiária, e pelos impactos à saúde decorrentes da habitação precária.
No Brasil, segundo dados estimados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, há pouco mais de cinco milhões de domicílios situados em favelas e comunidades urbanas, caracterizadas por condições de precariedade, carência de serviços públicos essenciais, problemas de infraestrutura urbana e ocupação irregular de terrenos. O Espírito Santo dispõe de 306.439 mil domicílios nessas condições, totalizando 26,10% das moradias, sendo 224.863 domicílios localizados apenas na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV).
O conceito de saúde habitacional é, portanto, uma ampla defesa pela manutenção da relação habitação + saúde + bem-estar, considerando o estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Habitar um ambiente saudável e de qualidade pressupõe: acesso aos serviços básicos de saneamento e infraestrutura (água potável, energia, rede de esgoto, coleta de resíduos); segurança (material, contra intrusão, contra incêndio); conforto ambiental (temperatura, qualidade do ar, iluminação natural e artificial, ventilação, acústica); ausência de patologias construtivas (umidade, infiltração, trincas); necessidades psicológicas (privacidade, socialização, vida privada e comunitária, redes de convívio); satisfação funcional, estética; e identidade sociocultural e territorial.
Segundo o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU), em pesquisa contratada em 2015, em 85% das obras de reformas ou construção no país, não houve contratação de serviços de profissionais tecnicamente habilitados; arquitetos ou engenheiros. De acordo com o CAU, a maior parte da população ainda recorre a profissionais sem habilitação legal nem responsabilidade técnica sobre os serviços que realizam. Esse contexto é reforçado por uma dinâmica espontânea de autoconstrução e crescimento vertical de edificações para fins de coabitação, para incorporar novos usos e para a promoção de transações comerciais, como aluguéis que culminam com o incremento da renda familiar.
Nesse processo emergem problemas recorrentes, desde o risco estrutural até o comprometimento das redes de serviços públicas e comunitárias, tais como creches, unidades de saúde e praças, que não acompanham a nova demanda. Além de minimizar riscos, a promoção de melhorias habitacionais assistidas diminui acidentes, traumas por quedas e até mesmo o aparecimento de doenças respiratórias, transtornos psíquicos e cardiovasculares.
É necessário, ainda, aos profissionais reconhecer e incorporar saberes populares, tecnologias sociais, relações ambientais alargadas no território, processos de autogestão e mutirão, modos de viver que transcendem convenções e padrões. Projeto, obra e reforma devem obrigatoriamente considerar processos participativos, seja em âmbito privado ou coletivo. A atuação da ATHIS, em demandas coletivas (como mobilidade, saneamento, espaços públicos), também se apresenta como uma ferramenta eficaz para garantir melhores condições urbanas internas a comunidades e favelas, com a manutenção dos interesses comunitários, comumente contra hegemônicos.
A Universidade desempenha um papel determinante nesse processo. Por meio do tripé ensino-pesquisa-extensão, articula a formação de novos profissionais às demandas do território, apoio às entidades comunitárias e movimentos sociais de luta pela moradia popular, associações de bairros e organizações não-governamentais.
O ES conta com parcerias inspiradoras entre profissionais de Arquitetura e Urbanismo das Instituições de Ensino Superior e associações de ATHIS, mas há espaço para mais. Ampliar ações, sobretudo aquelas que visem a melhoria do espaço público, beneficiaria muito os municípios da Grande Vitória, onde estão 70% dos domicílios em comunidades e favelas no estado.
Liziane de Oliveira Jorge é Doutora em Arquitetura e Urbanismo, Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFES).
Latussa Bianca Laranja Monteiro é Doutora em Planejamento Urbano e Regional, Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFES e pesquisadora do Núcleo Vitória – Observatório das Metrópoles).